
Vamos aos fatos.
A justificativa do deputado Jilmar Tatto, do PT de SP, para votar a favor da chamada PEC da Imunidade — aquela que blinda os congressistas de processos na Justiça sem autorização prévia das casas legislativas — inclui “garantir a governabilidade e buscar o diálogo”. Ele foi um dos 12 votos do PT para aprovação da PEC das Prerrogativas. No dia, a votação secreta nesses casos de autorização ou não de abertura de processos, até de prisão, não foi aprovada e exigiu manobra regimental provavelmente ilegal (a ver o que o STF dirá) para aprovação na manhã seguinte (ontem).
Jilmar Tatto não falou só isso. Contou também do desespero do presidente Motta para não segurar sozinho o apetite do Centrão sobre a matéria por conta da aliança com os extremistas do PL, com maioria inclusive para aprovar a anistia geral e irrestrita.
Antes dessa votação, ouvimos a ministra Gleisi anunciar ser favorável a uma redução das penas dos “bagrinhos” presos pela depredação na Praça dos Três Poderes, dia 08/01, por motivos humanitários.
E até o presidente Lula apareceu com a mesma concessão sobre o tema, lembrando até do seu duro período na cadeia como argumento.
Após as manifestações públicas das principais autoridades do Executivo, começamos a ver o rolo compressor passar no plenário da Câmara. Votação da PEC da Blindagem aprovada por amplíssima maioria, inclusive com votos dos petistas. E aqui um parêntese: aprovaram a Medida Provisória da Tarifa Social de Energia Elétrica, que vencia na terça-feira e favorece 17 milhões de pessoas com isenção de pagamento de contas de luz. Depois anunciaram a votação da urgência da anistia. Pegaram um projeto anterior do Crivella, totalmente golpista, não entraram no mérito da matéria, como combinado, e devem anunciar um novo relator ainda hoje, provavelmente o deputado Paulinho da Força, que vai reescrever tudo, focando exclusivamente na redução das penas — inclusive dos núcleos golpistas — e não vai incluir perdão para ninguém.
Então vamos ao acordo.
O Centrão queria se proteger do STF. A ideia inicial de derrubar o foro privilegiado tinha a vantagem de não atrair a fúria da população, mas o perigo das ações caírem nas mãos dos milhares de juízes federais Brasil afora, certamente loucos por protagonismo tipo Moro e Bretas. Sobrou reviver a decisão da Constituição de 1988, que valeu até 2001, de que os congressistas só podem ser investigados e presos após autorização da Casa. Falta ainda sabermos se teremos ou não reação popular à decisão, coisa que eu duvido.
A inclusão do voto secreto, feita a fórceps e através de manobra regimental duvidosa, como informei, a meu ver é o boi de piranha, o elefante na loja, o bode na sala, o jabuti na árvore — colocado exatamente para atrair toda a fúria e ser retirado, até pelo STF mesmo, mostrando zelo, mas na verdade cumprindo plano previamente combinado.
Exagero?
Semana que vem vamos saber, porque a história ainda não acabou e há sim riscos no caminho. O ano eleitoral começou e os milhões de votos do Bolsonaro — que ninguém cogita voltar à disputa — estão voando, e todos querem um pedaço.
O novo relator vai ser escolhido, vai redigir o novo projeto de anistia e vamos saber o que vem, e depois, no plenário, acompanhar o resultado final.
Até aqui, a coisa funcionou exatamente como planejado. É um plano sofisticado e de autoria desconhecida — se foi do Motta, me surpreende.
Quanto às prerrogativas parlamentares, é preciso considerar a correlação de forças, sim, não tem outra explicação. E que tenhamos juízo para escolher congressistas diferentes dos que escolhemos. No Congresso, quando o Centrão se junta para um dos lados, a coisa se decide e pronto. E a quem compete governar, a aprovação da MP da energia de graça no dia do vencimento — senão perderia validade — mostra que nem sempre é fácil carimbar todos os deputados de bandidos e ladrões.
Entrar mais uma vez na histeria da antipolítica, atribuindo a ladrões as decisões do Congresso, é exatamente a coisa que nos levou onde estamos hoje.
Não convém reeditar. É preciso olhar para os interesses de quem precisa de energia elétrica em casa. É preciso governar com minoria e seguir obtendo aprovações. É preciso votar e aprovar a isenção do IR para quem ganha até 5 mil e regulamentar a reforma tributária.
E eleger Lula com bancada mais favorável.
Sim, é disso que se trata.
O protesto é necessário. Saber que jogo estamos jogando também.
Me perdoe se te conto que Papai Noel não existe.