
Na véspera do início da cobrança das tarifas que, na prática, irão bloquear os produtos brasileiros para os consumidores norte-americanos, não temos visto, em números, as consequências econômicas para nós.
Os mais recentes estudos disponíveis falam em queda do PIB, sem apontar, entretanto, um número. Apenas o governador de São Paulo sapecou, nesta semana, um exagerado 2,7% de queda do PIB no seu estado, sem explicar de onde saiu a estimativa.
Quanto ao desemprego, o mesmo cenário: novamente apenas Tarcísio chutou em 120 mil a perda de postos de trabalho no estado que governa.
Poucos estados brasileiros têm nos EUA seu principal cliente. E, sem dúvidas, SP, por exportar produtos manufaturados, além de frutas, seria o mais prejudicado. No Nordeste, seriam frutas e pescados; e no ES, as atividades portuárias ligadas à extração mineral, aos siderúrgicos e às pedras naturais.
Mas se estamos falando de queda no PIB e desemprego, a consequência interna pode ser de queda da inflação, sem dúvida. E um ponto relevante é que estamos com os maiores juros do mundo, com perspectiva de queda — exatamente porque nosso Banco Central iniciou o ano com números inflacionários crescentes, e a alta no preço dos alimentos caminhava para níveis insuportáveis.
É curioso como todas as críticas e análises sobre os efeitos negativos na nossa economia — sem dúvida prováveis e esperados — ignoram o efeito desinflacionário do ataque à nossa soberania. Curiosamente, a desgraça, em termos de menor atividade econômica, pode significar queda da inflação.
Um ponto-chave seria o comportamento do câmbio — num primeiro momento tendendo a subir, o que já acontece — e, sendo uma variável decisiva na influência dos preços, é preciso evitar que ele seja contaminado pela crise das tarifas. E aqui entra a política interna de Trump, pressionando o banco central de seu país para derrubar os juros (ele falou em 1% ao ano). Isso pode ser o elemento decisivo para conter a escalada do dólar e decidir a parada contra a inflação no Brasil — a nosso favor.
É uma lógica torta o que estou fazendo, sei muito bem. Buscar aspectos positivos em queda de exportação e consequências sobre níveis de emprego e PIB é um exercício para lá de indesejável.
Sim, é.
Mas o ponto é que esse é exatamente o tipo de análise que vemos todos os dias, quando tratamos de inflação e da atuação do Banco Central perseguindo a meta inflacionária estabelecida pelo Conselho Monetário. Quando os números crescentes do Caged são divulgados, quando os números ascendentes do PIB saem, a atividade — sobretudo de serviços — “pressionando”, o crescimento da massa salarial… todos os aspectos positivos da economia são, para certa gente, sinais de preocupação com indícios de inflação que precisa ser contida — e tome juros na lua.
Minto?
Se as tarifas de Trump vão fazer o serviço que a Selic não conseguiu fazer até agora — de enquadrar a inflação na meta — quem sabe a crise com os EUA consegue?
Não é isso que os elogios e loas à condução da economia na Argentina destacam? Que no país a inflação está caindo, apesar de o povo todo estar se lascando?
Por aqui, alguns nacos de crescimento serão tirados, o desemprego vai aumentar, a atividade econômica — sobretudo ligada aos setores que exportam aos EUA — vai se lascar. E a inflação?
Vai cair. Talvez não agora, com o dólar pressionado, mas na sequência — com a acomodação e o aumento da oferta de produtos internos, alimentos sobretudo — os efeitos desinflacionários não podem ser negligenciados.
E não faço ironia, nem imagino cenário melhor com queda no comércio e perda do maior mercado do mundo. Longe disso.
Mas não deixa de ser surpreendente perceber a ironia da coisa, quando Trump, com seu desarranjo, pode ser eficaz em alguns aspectos: concluir o serviço do nosso Banco Central no combate à inflação e ainda ajudar no reequilíbrio do câmbio ao jogar nas mínimas as taxas de juros nos EUA.
Ilusão?
Talvez. Porque tem custo político, dependendo do desenrolar da crise. Mas, sobre a inflação, se a expectativa é de queda do PIB e aumento da oferta interna de alimentos, a chance de queda está dada.
Finalmente: a tarifação e o bloqueio do comércio com os EUA — que nos é deficitário —, se efetivamente provocarem queda na inflação como consequência de menor atividade e mais desemprego, é pior do que pagarmos R$ 1 trilhão anual no serviço da dívida interna? Quantos bilhões seriam poupados se nossa taxa interna de juros cair por conta dessa crise? Se é esse o tipo de pensamento que domina o cenário da nossa economia, por que não incluir entre as hipóteses para discussão?
Até porque, enquanto Trump anuncia acordos por aí, alguns importantes como o de ontem com a União Europeia, o que negociam, apesar de abusos e imposições imperiais, está dentro das possibilidades dos envolvidos e no restrito interesse comercial. O que não é o nosso caso, o que nos exige é impossível de aceitar, tornando nosso acordo inviável e as tarifas inevitáveis. Então, o que fazer, senão enfrentar e extrair o possível ?
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