
A tese de que coexistem dois exércitos distintos na caserna é a desculpa que o Ministro da Defesa, Múcio, tenta emplacar, sendo pego no contrapé pelas prisões de generais e altos comandos estratégicos, acusados de crimes relacionados ao planejamento de assassinato contra o presidente e o vice, além de uma tentativa de explodir um ministro do STF. Agora, surgem também dezenas de indiciados pela PF, acusados de tentativa de golpe de Estado — ou seja, acusados de trair a pátria. Entre eles o ex-Presidente – um militar – e o vice de sua chapa – outro militar.
Múcio tenta dizer que, apesar do constrangimento das prisões, é bom esclarecer o episódio para que a culpa não recaia sobre toda a instituição.
Já houve um tempo em que o Brasil produzia militares patriotas e legalistas, mas a ditadura de 21 anos se encarregou de excluir todos eles, enquanto preparava as futuras gerações para serem exatamente isso que estamos vendo hoje.
O desgoverno Bolsonaro funcionava com milhares de militares, que acumulavam salários civis, com seu vice sendo um general e vários ministros, entre os piores, oriundos da caserna. Não se propôs um bolsonarismo sem militares. A dúvida é quem influenciou quem: se Bolsonaro na caserna, ou a caserna em Bolsonaro. O fato é que um não existia sem o outro. Mas um veio de antes e pretendia continuar relevante, indispensável, e parte de toda essa trama macabra. Se conseguissem derrubar o governo eleito, tudo bem. No caso de falha, o plano B era a GLO com Lula no poder: o exército nas ruas para conter os protestos e o novo governo manietado. Se esse não fosse o plano A, não sabemos.
A posição do ex-ministro do Exército, de ameaçar Bolsonaro com prisão ao ouvir o chamado ao golpe, nunca foi confirmada. Mas surgiu agora uma versão de que os “kids pretos” planejavam derrubar o chefe para assim arrastar as tropas para o golpe. O que também nunca aconteceu. É uma outra versão, em que os militares derrubam até Bolsonaro, assumindo a ditadura com Braga Neto à frente. Curioso que, entre todas as possibilidades aventadas — todas criminosas — a única que pareceu incomodar Braga Neto a ponto de negá-la foi essa última, do golpe dentro do golpe liderado por ele.
Múcio vai enrolando o quanto pode, provavelmente pisando em ovos e cercado de criminosos. Dois dos oficiais presos na operação que prendeu o general que liderava o planejamento dos assassinatos estavam atuando na segurança de presidentes estrangeiros no G20. O policial federal preso, não sei onde estava lotado, mas seus colegas articulam uma vaquinha para ele pagar advogados.
Uma última observação é sobre os assassinatos planejados. Enquanto queriam explodir o ministro Moraes, do STF, Lula e Alckmin seriam envenenados. Por que a diferença na estratégia assassina?
A única razão que me ocorreu foi a história, sim, os livros de história sugerem que nossos militares não matam presidentes abertamente. O que nos leva às mortes de Goulart e Juscelino, ambas em plena saúde e repentinas. Sim, Juscelino foi um acidente — ou não?
Há até quem lembre a morte daquele Bebiano, logo após o rompimento com os milicianos. Seja como for, não se tinha uma prova de conspiração militar tão importante como as que estamos vendo, e, como método de envenenamento e provocações de mortes súbitas, eram cogitadas entre os criminosos fardados comprovadamente.
Mesmo o esforço do ministro Múcio, a essa altura, é patético. O caldo entornou, veio à praça e estão todos nus. O mínimo é extinguir coisas medonhas como os “kids pretos” e começar a preparar, o mais brevemente possível, profundas mudanças na formação dos militares brasileiros.
A questão dos cortes de gastos, que antes já exigia a presença dos militares para acabar com certos privilégios absurdos, não é nem de longe a única questão na mesa. E eles querem chiar, apesar de tudo, mas dessa vez me parece que vão ter que engolir.
Mas não basta. Nem de longe. Mas que seja um começo.