
De todas as explicações sobre a derrota de Kamala — lembrando que Trump também foi derrotado em sua tentativa de reeleição —, a única que parece fazer sentido é a que envolve a economia. E isso nos serve de alerta. Os EUA também saíram da pandemia com inflação elevada, aumentaram os juros e recentemente estabilizaram os números inflacionários em patamares aceitáveis. Contudo, mantiveram os salários achatados em um cenário de pleno emprego e crescimento do PIB que não foi compartilhado com a maioria, mas acumulado pelas camadas sociais mais privilegiadas. É exatamente o que está acontecendo conosco: estamos recuperando empregos, com a vantagem da formalização, mas, apesar disso, a massa salarial, que cresce em função do aumento no número de trabalhadores empregados, não tem se traduzido em aumento real de salários, que permanecem defasados em relação à acumulação, especialmente devido aos juros abusivos pagos a rentistas. O nível de preços, assim como nos EUA, que não subiu demais, também não caiu; estabilizado em patamares altos, impede o consumo das famílias, especialmente no que se refere ao preço elevado dos alimentos.
Agora, estamos discutindo cortes no orçamento, que têm gerado desconforto generalizado, dentro e fora do governo, enquanto alguns aproveitam a oportunidade para sugerir a desvinculação das aposentadorias do salário mínimo — uma proposta que enfraquece não só a aposentadoria, mas também o propósito de se ter um valor de referência para o salário mínimo no país.
Ainda não sabemos exatamente o que está por vir, mas acredito que em breve conheceremos o teor completo das medidas, que são necessárias para acomodar pressões e “fazer o jogo do mercado”, sem se render totalmente a ele. A questão do orçamento é passível de revisão; o país não terá uma solução para seus problemas sem crescimento econômico. A indução do Estado é capaz de romper a letargia de nosso empresariado, e, no próximo ano, a questão dos juros se tornará crucial para a resolução de nossos desafios; caso contrário, não conseguiremos sair da armadilha imposta por Campos Neto e seus seguidores.
Remediar e atravessar turbulências faz parte do trabalho, assim como superar armadilhas. Vencê-las é o desafio dos próximos dois anos, pois, se não o fizermos, a extrema direita estará pronta para voltar — e voltar para causar o dobro de estragos.
Que o exemplo dos EUA nos sirva de lição para evitarmos repetir os mesmos erros econômicos, falsamente resolvidos, que levaram Biden e Kamala a derrota.
” Eu conheço bem o discurso do mercado , a gana especulativa do mercado (…) Nós não podemos mais jogar , toda vez que você tem que cortar alguma coisa, em cima do ombro das pessoas mais necessitadas ” ( Luiz Inácio Lula da Silva)
” A campanha de Bill Clinton acertou em cheio quando cunhou, em 1992, a famosa frase: “É a economia, estúpido”. Isso porque a economia tem sido consistentemente classificada entre as principais –se não a principal –questões durante e depois das eleições.”
” Bernie Sanders: ‘nos EUA, o Partido Democrata abandonou a classe trabalhadora e depois foi abandonado por ela’ ”