Arca do Noé e o Governo Lula.

A avaliação do resultado da eleição municipal — ainda em pleno desenvolvimento — suscitou debates e análises acaloradas, com todos tentando decifrar o desfecho.

Fiz minhas próprias tentativas, nas quais procurei quantificar os resultados, apurar razões, apontar vencedores e vencidos, e descrever cenários futuros. Ainda assim, sinto que o tema não foi esgotado, nem de longe.

Hoje, me ocorreu refletir sobre a natureza do atual governo, sua política de alianças, seus objetivos e metas, tanto imediatos quanto futuros. Nessa análise, a eleição municipal apresenta uma importância desbalanceada, no sentido de que temos diferentes tipos de disputas.

Deixando de lado os aspectos numéricos, como a quantidade de cidades, bancadas de vereadores, estados ou regiões, tudo conta em um emaranhado de resultados que alimentam especulações — todas elas parciais.

Como já fizemos nossa avaliação, quero destacar o caráter do governo Lula. Aliás, essa característica não se manifesta apenas neste governo, mas faz parte de sua principal marca pessoal e política: Lula é um negociador incomparável.

Não se pode analisar os resultados separando aliados como se fossem inimigos. A questão da sobrevivência política individual e a influência nas respectivas bases, onde disputam ferozmente entre si, não se confundem com a união dos vencedores em torno de um propósito maior: o governo federal.

É de onde saem os recursos, os cargos e o poder, exercido em conformidade com acordos pessoais e partidários, em programas mínimos acordados. Apesar de todas as disputas e influências, esses acordos fazem parte do programa vitorioso nas eleições presidenciais, onde escolhemos o presidente, que escolhe seus ministros, faz suas alianças e depois governa conforme o rumo traçado, ajustando a rota conforme as circunstâncias.

É razoável imaginar que teremos alguma acomodação nos ministérios em razão dos resultados das eleições municipais? É provável, mas acredito que o impacto será mínimo, se é que ocorrerá. A necessidade de acomodar deputados e senadores nas disputas pelas presidências das duas casas legislativas — inclusive os atuais presidentes, que vão sair — parece ser mais urgente do que uma mudança ministerial por causa das eleições municipais.

Até porque a composição interna das casas não sofreu nenhum abalo. Curiosamente, os deputados e senadores que arriscaram disputar as eleições municipais foram praticamente todos derrotados.

Se nada muda na composição interna das casas, exceto pelas presidências, o barco segue no mesmo rumo.

Veja, já houve movimentação no Congresso esta semana, com a aprovação do novo presidente do Banco Central no Senado, sem grandes surpresas. Além disso, a regulamentação da reforma tributária está em andamento.

Ou seja, apesar da retórica sobre quem ganhou ou perdeu, tudo segue praticamente como antes. E vale lembrar que ainda há disputas acirradas no segundo turno em 50 das principais cidades do Brasil, com fogos e trovoadas prontos para explodir.

Eu, até, achei que, com exceção da situação crítica em São Paulo e de alguns outros locais onde ocorreram episódios violentos, a eleição transcorreu de maneira mais tranquila do que o habitual. A regulamentação eleitoral funcionou melhor nas ruas, enquanto a batalha se concentrou nas redes sociais. A briga agora é virtual, e descamba menos para o mundo real — mais essa.

Então, seguimos em frente com o governo e sua base de apoio. Com exceção do PL e de parte do PP, praticamente todos que supostamente venceram as eleições continuam firmes no barco governista. Claro que fazendo contas, reivindicando mais ou menos, e sempre negociando, enquanto as incansáveis nuvens da política continuam a se mover.

Às vezes, dizem que tudo é novidade, tudo é exasperado, tudo é definitivo, tudo é preocupante… Em parte, sim; em parte, não. O leme segue firme nas mãos do comandante Lula, o capitão Haddad continua trabalhando, e os resultados no horizonte visível.

Se alguma coisa mudou, foi para ficar na mesma.

Outro aspecto relevante que surgiu com a notícia do altíssimo número de reeleitos, atribuído aos recursos bilionários das emendas PIX, é fundamental para entender o momento atual e suas lições para o futuro. Se as emendas produziram efeitos positivos nas administrações municipais, não podem ser criticadas apenas pelo aspecto financeiro, que provoca uma certa concorrência desleal entre concorrentes fora e dentro dos cargos. Uma vez sanada essa vergonha de segredos e falta de prestação de contas adequadas, me parece que as emendas precisam ser encaradas com outros olhos. Parece que os moradores das cidades agraciadas gostaram, e não se pode desprezá-las, mas sim corrigir exageros e distorções.

Outro ponto importante foi destacado pela nota do PT sobre os resultados até agora. Excluídos os votos da cidade de São Paulo e Salvador, onde o PT não lançou candidatos para compor alianças, o número de votos que poderia ser somado aos 8,9 milhões apurados em todo o Brasil poderia chegar a mais 3 milhões! Ou seja, o PT sai da eleição de 2022 com um potencial de votos totais de 12 milhões, e, se assim fosse, todas as críticas e levantamentos numéricos apocalípticos estariam reduzidos a pó.

Sim, não é bem assim que funciona, mas mostra o raso de certas avaliações.


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