Faz de conta no BC?

Uma vez que o líder do governo no Senado, o Senador Jacques Wagner, expressou a “vontade de todos” de indicar com antecedência o nome do futuro presidente do Banco Central, é importante insistirmos no tema, até porque estamos na reta final da decisão independente de antecipar ou não.

E o único nome em pauta é o de sempre: Gabriel Galípolo.

Após a última reunião do COPOM, que confirmou nossa taxa de juros como a mais alta do mundo, e cujas justificativas no boletim não explicaram as razões para tamanha insensatez, Galípolo começou a falar em seminários e aparições públicas, devidamente exploradas na mídia. Nesse caso, não sabemos quem usa quem: se Galípolo usa a mídia ou vice-versa. O mais provável é que ambos se sirvam mutuamente.

Mas se o pretenso futuro presidente do BC destaca, em suas declarações, as votações unânimes das últimas decisões do COPOM, ao mesmo tempo inaugura uma “lavagem pública de mãos”, atribuindo as mazelas dos juros altos a uma decisão do Conselho Monetário Nacional ao fixar a meta de inflação em 3% ao ano.

Esquece de dizer que o tal conselho, composto por três pessoas – sendo uma o ministro Haddad, outra o presidente do BC, e a terceira a ministra Simone Tebet – discutiu o assunto no início do atual governo, sem chegar a nenhuma conclusão. Mas a inflação, de lá para cá, diminuiu e está dentro da margem de bandas por meses seguidos, com tendência de manter o atual comportamento. Ou seja, levantar a discussão não acrescenta nada ao debate atual, servindo apenas para atribuir responsabilidades a terceiros, e desconhecendo o valor importante das bandas que evitam cairmos nas mãos de conceitos ainda mais rígidos, que Galípolo aparentemente abraça com entusiasmo.

Um desastre, considerando que a ideia de tanta falação deveria ter tido outro tipo de motivação: reforçar sua posição como único candidato.

O fato é que esse tipo de pensamento e comportamento fez dele não apenas o único candidato, mas um nome praticamente aceito não só no Senado, mas também no mercado, onde a questão de manter os juros nas alturas é de sobrevivência para bancos e empresas que vivem mais da entrada desses recursos das aplicações financeiras do que da produção ou do trabalho.

Isso amarra o Brasil a um crescimento medíocre de 3% – e olhe lá – e mesmo assim, quando Lula assume e investe tudo o que pode. Os demais nem isso fazem, mas ganham todos os elogios porque pagam juros sem reclamar, e o Brasil patina sem sair do lugar.

É fato que banco não é coisa para brincadeira, e Banco Central não é lugar para guerra ideológica. Mas, sendo assim, basta manter uma posição imutável, sem nenhuma criatividade ou inovação? O que dá certo é pagar bovinamente os mais altos juros do mundo e achar que isso é sempre o correto a fazer? O correto é lamentar um país com bons índices e rumo ao pleno emprego, salários crescentes, e comércio e serviços funcionando ? O que essa gente sugere? Pagar juros altos e manter o país dos dois salários mínimos na pobreza para sempre? Não há nada a acrescentar nesse roteiro suado e imutável?

Claro que não vai ser um banqueiro ou um burocrata do Estado quem vai resolver essa equação que muito ultrapassa a capacidade e a atribuição de um presidente do Banco Central. O que se exige deles é que trabalhem em conjunto com o programa do governo eleito e não que tenham uma agenda própria ou uma visão desconectada dos objetivos do governo a que deveriam servir.

Quando o Banco Central age, não o faz em seu nome nem no do mercado, mas em nome de um programa de governo. E se age em discordância, quem paga no fim nunca é o banqueiro, que sempre terá as portas abertas para a sequência de seu trabalho. Quem paga é o governo que o indica; quem paga é o fracasso da economia, que deveria ser o carro-chefe dos objetivos de qualquer administração.

Chega a ser simplório o debate sobre o tema, e quando alguém afirma que a unanimidade das atas é uma tática para evitar marolas quando os indicados por Lula estão em minoria até o fim do ano, Galípolo vem e destrói o argumento com uma posição que me parece muito mais coerente do que imaginar um comportamento omisso esperando a redenção em 2025. Pior do que concordar com uma política monetária suicida seria fingir para, quando chegar o seu momento, dar uma guinada na direção contrária. Ora, se tem uma coisa que não combina com Banco Central é uma guinada, seja em que direção for.

Concluindo, estamos caminhando para um mandato presidencial de Lula semelhante ao seu primeiro mandato com Palocci na Fazenda e Meirelles no Banco Central. Não é ruim, é sim uma reestruturação do Estado, uma obra que estava paralisada e precisava ser reiniciada, um trem descarrilado, uma jamanta sem combustível, um transatlântico abandonado. Que, em qualquer um dos casos, demanda um imenso trabalho para voltar à plena atividade.

Não vamos nos arrebentar nem bombar; a economia vai seguir crescendo de maneira segura e constante, e a vida vai melhorar de forma gradual.

Fica a sensação de que poderíamos fazer mais. E conformar-se com isso não é bom; apoio, cobrança e reconhecimento crítico seguem sendo a melhor atitude para, quem sabe, podermos fazer ainda mais.


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