
O STF já havia decidido por 9×2 em 2023 contra o marco temporal, mas ficou pendente a questão das resoluções quanto à implementação da decisão. Gilmar Mendes, relator do caso, resolveu inovar e, numa revisão repentina do decidido, criou uma comissão para analisar e discutir alternativas. No entanto, não está claro exatamente o que se pretende com essa comissão, que parece propor um acordo de escambo com terras indígenas.
Gilmar Mendes, que já havia votado a favor do marco temporal – a tese na qual só as terras que estivessem de posse de indígenas a partir de 1988 seriam consideradas legítimas –, ignora as décadas de expulsão dos indígenas de suas terras, legitimando invasões, ataques, confiscos, grilagem e as tentativas genocidas patrocinadas durante a ditadura militar, sempre contra a vida, a cultura e as terras das populações indígenas.
Quando a ditadura terminou no Brasil, haviam apenas 300 mil indígenas vivos. Após esse período de holocausto, as populações vieram gradativamente se recuperando e hoje são 1,7 milhão.
A comissão criada pelo STF é composta por seis representantes indicados pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), seis pelo Congresso, quatro pelo governo federal, dois pelos Estados e um pelos municípios. Representando a Câmara dos Deputados, o presidente Arthur Lira (PP-AL) indicou os deputados Pedro Lupion (PP-PR) e Bia Kicis (PL-DF), ambos favoráveis à tese do marco temporal e representando a bancada ruralista.
Lupion é o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Ele defende que áreas ocupadas por não-indígenas na data da promulgação da Constituição não podem ser requeridas como terras indígenas.
A deputada indígena Célia Xakriabá (Psol-MG) será suplente de Kicis, enquanto o deputado Lucio Mosquini (MDB-RO) substituirá Lupion quando ele não puder estar presente nas audiências.
No Senado, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) decidiu manter um equilíbrio na indicação e escolheu os senadores Jaques Wagner (PT-BA) e Teresa Cristina (PP-MS).
A Apib exigiu na primeira reunião o cumprimento imediato da decisão do STF de 2023 contra o Marco Temporal para então iniciar a discussão de sua aplicação. Não conseguiu e ameaçou abandonar a comissão, mas o juiz encarregado do STF fez pouco caso e afirmou que seguiriam sem eles. Eles decidirão se retornam para a mesa até a próxima reunião dia 28 de agosto.
Pode ser que alguma correção de rumo aconteça, mas é improvável. A comissão, que se suspeitava integrar um ataque às terras indígenas, é uma recomposição de teses coloniais como escambo entre desiguais. Pode significar uma terrível ameaça e consolidar a tese rejeitada , que tenta preservar o mínimo dos interesses ancestrais da cultura indígena no Brasil.
Isso pode ser um ataque decisivo e encerrar o ciclo de aculturação e desprezo pelos povos ancestrais e durante um período democrático na nossa história.