
Talvez nos falte memória, contexto ou disposição de aço para superar a barreira de informações distorcidas para avaliar o cenário eleitoral na Venezuela.
Enquanto pedimos a Ata — que o governo Maduro nunca negou entregar, no prazo legal — vários países latino-americanos e o grande do norte reconheceram a presidência do opositor ao atual, sem nenhuma evidência legal disponível.
Lembrando que, antes da eleição, já ameaçavam não aceitar o resultado e recusaram compromissos nesse sentido.
Não existe no direito internacional o acesso a Atas eleitorais de países. Essa ideia soa ridícula, impraticável e contém uma disposição contrária insuperável.
Ou você reconhece o presidente eleito de um outro país ou não reconhece. Ou você aceita as condições internas eleitorais, apuração e resultados divulgados por instituições próprias disponíveis em cada país, ou não aceita. Ou você trata todos os países com um mesmo critério ou assume sua posição ridícula de juiz mundial.
Nem a ONU consegue um critério único para ingresso, exatamente porque ele não existe, nunca existiu, e é difícil imaginar que algum dia existirá. Então todos os países participam da ONU, sendo esse o objetivo.
Quantas ditaduras, reinos, eleições estranhas e critérios tendenciosos existem?
A verdade é que o difícil é dizer onde existe um que todos aceitem.
E, de uns anos para cá, regras eleitorais têm sido descumpridas sem nenhum controle e consequências, e desconhecer resultado de eleição está ficando cada vez mais comum.
Aqui mesmo no Brasil, se me lembro, Aécio inaugurou a onda, nunca reconheceu a vitória de Dilma, tentou recursos legais, pediu recontagem de votos, e foi na tribuna discursar que não deixariam Dilma governar. E deu no que deu: Temer. E na sequência Bolsonaro.
Bolsonaro foi eleito afirmando ter vencido no primeiro turno, não no segundo como decidiu o TSE. Passou 4 anos afirmando que nossas urnas e eleições eram fraudulentas, perdeu, nunca aceitou ou reconheceu a derrota, tentou um golpe. E está por aí até hoje.
Seguiu o roteiro que aprendeu de Trump, que, com o mesmo discurso antidemocrático, autoritário e fascista, tenta voltar. Pelas urnas que diz fraudulentas.
Não é contradição. É um programa da extrema direita, um roteiro de destruir a representação e a vontade popular. É um projeto autoritário.
Quantos anos fazem que a Venezuela conviveu com um presidente Guaido reconhecido no exterior, distinto daquele que governava de fato o país?
Guiado, reconhecido pelos EUA, Brasil de Bolsonaro e União Europeia, avalizou o roubo das reservas monetárias e em ouro físico do país. Bilhões de dólares confiscados. A empresa CITGO, de postos de gasolina, distribuição de combustíveis e refinarias, de propriedade venezuelana, de décadas, que atuava no mercado dos EUA, que vale U$ 30 bilhões de dólares, foi confiscada e vai a leilão nos EUA nos próximos dias. Roubo.
Ouro depositado na Inglaterra. Roubado.
Até um avião que pousou na Argentina os EUA roubaram.
As reservas de petróleo na Venezuela valem R$ 30 trilhões de dólares. Os EUA querem fazer da Venezuela aquilo que ela sempre fora, uma reserva para seus negócios futuros e, penso, atuais, para fazer frente a uma dívida de seus títulos públicos na casa dos U$ 33 trilhões e a essa altura impagáveis.
Quem tem direito e obrigação de pedir atas é a oposição na Venezuela. Quem tem obrigação de fornecer e dar a transparência aos processos é o governo da Venezuela. Mas, findado esse processo legal de apuração e auditoria, alguém acha que a oposição vai mudar? Alguém acha que os EUA vão reconhecer o resultado?
Não. E já nomearam presidente o opositor. E não voltam atrás.
Então não compete a nenhum país nomear presidentes em outros países. Ou você leva o pacote inteiro para casa ou o rejeita. E o faz segundo critérios definidos em leis próprias, que no Brasil é nossa Constituição, e ela diz para respeitarmos a autodeterminação dos povos. Ponto.
Então fechamos os olhos para o que acontece no mundo?
De jeito nenhum, e por isso mesmo o melhor é não se meter em assuntos internos de país nenhum, conviver com o máximo possível. Defender valores internos de soberania, transparência, inclusão e justiça. E que esses sejam comuns e válidos para todos. Que seja o nosso exemplo, a nossa força e nossa prática. E, lembrem, mal saímos de uma derrubada de uma presidenta honesta, uma prisão de ex-presidente sem crime e uma tentativa de golpe de estado. Tudo isso nos últimos 10 anos.
Praticamente metade da nossa população ainda hoje afirma que nossas eleições que elegeram o atual presidente foram fraudadas. Minto? Exagero? Quem mantém a legalidade e a normalidade institucional no Brasil? A política, o Congresso, as ruas? Se dependêssemos desses, estaríamos na mesma confusão que ocorre na Venezuela. Nosso TSE, a outra metade da população que votou no Lula e o STF são os que garantem a sequência da nossa vida relativamente em paz aqui no Brasil.
E com esse currículo que vamos negar aos venezuelanos o direito de seguirem seu caminho?